Por Rubens Valente
Ditadura argentina montou bases no Brasil (Folha de São Paulo de hoje)
No auge da Operação Condor, acordo feito no final de 1975 entre militares da América do Sul para combater opositores, a Argentina manteve bases em São Paulo e no Rio de Janeiro compostas por membros de suas corporações cujo objetivo era "detectar pessoas vinculadas à "subversão", controlá-las e manterem-se informados sobre todos seus movimentos".
Os militares baseados no Brasil estavam vinculados ao Batalhão de Inteligência 601, centro militar de interrogatórios e torturas localizado nos arredores de Buenos Aires.
As revelações constam de um processo judicial aberto a pedido do Ministério Público argentino e que culminou, no último dia 18, na condenação de sete militares e um policial, incluindo o general Cristino Nicolaides, 83, ex-comandante do Exército e membro da quarta junta militar que governou o país em 1982 e 1983. Nicolaides, condenado a cinco anos de reclusão, cumpre prisão domiciliar em Córdoba.
A íntegra da decisão de 303 páginas, obtida pela testemunha do processo e ativista Jair Krischke, presidente do Movimento Nacional de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, traz o depoimento prestado em 1984 pelo carcereiro Néstor Norberto Cendon, que cumpriu tarefas no batalhão 601.
Segundo a sentença, Cendon relatou que as bases dos argentinos no Brasil tinham como prioridade os montoneros, maior grupo guerrilheiro argentino, que a partir de 1978 iniciou a "segunda contra-ofensiva", um plano que previa o retorno à Argentina dos guerrilheiros que viviam no exterior para um fracassado embate final com a ditadura. A ordem dos militares era interceptar os guerrilheiros em território estrangeiro ou deixar a Argentina preparada para o regresso.
Pelo menos 20 montoneros morreram em 1980 -quatro foram presos no Brasil e, entregues à Argentina, desapareceram. Dois se mataram ao serem abordados por uma lancha policial quando tentavam cruzar de barco o Rio Paraná.
De acordo com a sentença dada pelo juiz Ariel Lijo, do 4º Juizado Nacional Criminal e Correcional Federal, Cendón afirmou em agosto de 1984 à comissão montada pelo governo argentino para apurar desaparecimentos que "o serviço de inteligência do Exército contava com bases no Paraguai, Bolívia, Peru, Brasil e Uruguai. A mais conhecida era a do Brasil, com sede em São Paulo e Rio de Janeiro. Em Paso de Los Libres também, já que bastava cruzar a ponte para se estar em Uruguaiana [no Brasil]".
Segundo a decisão judicial, Cendon disse que as bases do Brasil eram ocupadas por quatro oficiais e dois civis ligados à inteligência do Exército, citados nominalmente e por apelido. "A raiz dos trabalhos realizados por esses grupos se referia a muitos integrantes dos TEIs (Tropas Especiais de Infantaria) e TEAs (Tropas Especiais de Agitação), que, segundo as informações do depoente [Cendon], foram treinados na Líbia, os TEIs, e em Cuba, os TEAs". Os grupos eram braços operacionais dos montoneros.
Em seu relato, Cendon disse que a operação militar anti-montonera levou o nome de "Morcego" e incluía as bases brasileiras. "Toda a operação Morcego foi desenvolvida a partir de meados de 1978. Era evidente, segundo disse o depoente [Cendon], a colaboração prestada pelos serviços de informações inteligência dos países em que eles estabeleceram as Bases", diz a sentença.
Um participante TEI era Horacio Campiglia, que em 1980 foi preso no aeroporto do Galeão, no Rio, junto com a guerrilheira Monica Binstock. Ambos estão desaparecidos. O caso de Campiglia, que tinha também cidadania italiana, é investigado pela Justiça da Itália. No último dia 24 a Itália decretou a prisão de 140 supostos envolvidos com a Condor, incluindo onze brasileiros.
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