sábado, 15 de outubro de 2011

51% topam imposto para saúde

Por Paulo Moreira Leite

Há um dado relevante na reportagem de capa de Ricardo Mendonça publicada pela Época. A revista quis saber se os brasileiros concordariam em pagar um novo imposto para saúde. A resposta é sim.

Desde a posse do governo Dilma que se discute o assunto em Brasilia. Num país onde gastos do governo costumam ser associados apenas a desvios e a corrupção, como se não produzissem nada de útil para a sociedade, a derrota da idéia parecia uma barbada.

Recentemente, até a bancada do governo baixou a guarda e evitou debater o assunto quando a Câmara votou a emenda 29, que define gastos para saúde.

A resposta na pesquisa: 51% são a favor e 46% são contra.

O resultado é uma surpresa em parte. É verdade que a denuncia dos impostos altos e injustos mobilizou a classe média e tornou-se ponto de honra dos empresários. A discussão sobre carta tributária tem uma base na realidade: muitas pessoas efetivamente pagam impostos demais.
A malha de tributos é tão complexa de chega a ser irracional e cria entraves para o desenvolvimento.
Em função destes argumentos, muitas vezes justos, parecia que a população chegara a uma conclusão complicada: a de que não adianta aumentar as receitas da saúde pública porque o atendimento iria continuar ruim como sempre foi.
A pesquisa mostra que não é assim. Por uma margem de 63%, os brasileiros reclamam que a carga tributária é alta demais. Ao mesmo tempo, concordam em pagar mais — desde que seja para a saúde.
Quanto mais pobre o eleitor, maior seu apoio a idéia. São essas pessoas, na verdade, que mais utilizam o SUS. Enfrentam a falta de médicos, a demora para fazer exames complicados, o atendimento que nem sempre é educado. Conhecem os chamados problemas de gestão, gravíssimos, mas tem certeza de que também faltam recursos.

Antonio Lavareda, que dirigiu a pesquisa, disse a Epoca que este apoio do eleitor a um novo imposto reflete seu desalento. “O problema da saúde no Brasil é tão grande, mas tão grande, que as pessoas até topam pagar mais para o governo se for para resolvê-lo.”

Muitas pessoas consideram que, como os pobres são os que mais utilizam o sistema público de saúde, são aqueles que tem maior interesse em ver melhorias nos serviços. Tem lógica.
Tem lógica mas talvez não seja inteiramente correto.

Um novo imposto para saúde irá ajudar toda pessoa que decidir usar o serviço público de saúde, sem distinção de origem e classe social. Não é, portanto, uma espécie de egoísmo socialmente aceitável, já que se destinaria apenas aos menos favorecidos.

A pauperização da saúde pública empurrou a classe média para os planos privados, que funcionam e só podem funcionar pelas regras de ferro da economia de mercado: recolhem gordas mensalidades de quem pouco utiliza seus serviços, mas fecham as portas para o cidadão que já chegou naquela fase da vida em que todos precisam de atendimento regular e caro — e só representa prejuízos.

Muitos brasileiros de classe média que vivem com o orçamento apertado pagam pequenas fortunas mensais para planos de saúde que definem o atendimento de acordo com o talão de cheques do fregues. Criam dificuldade para aprovar exames sofisticados, controlam internações e pressionam médicos a reduzir custos — sem falar em honorarios ridiculamente baixos, que levaram a categoria a realizar até greves nas últimas semanas.

A discussão de um novo imposto para saúde não implica em reforçar o caixa do SUS com bons trocados a mais. Envolve um esforço para resolver problemas de gestão, para ampliar o conceito de quem deve ser atendido. Essa é a discussão.

PT escolhe cidades prioritárias para 2012

Por Raymundo Costa | De Brasília

O PT elegeu 117 cidades com população acima de 150 mil habitantes, inclusive as capitais, como prioridades para as eleições municipais de 2012. Hoje, a comissão eleitoral petista realiza sua primeira reunião, em São Paulo, para discutir a estratégia e estabelecer procedimentos a serem adotados nessas cidades.

Os 117 municípios foram divididos em grupos. O primeiro é formado por aqueles em que o PT disputará a reeleição, 21 no total. Seguem-se os grupos dos prefeitos que já concluíram oito anos de mandato (13), aqueles em que o PT tem o vice-prefeito (2), as cidades em que o partido apoiou a coligação vitoriosa (15), mas sem indicar o vice, e o das cidades governadas pelo PT em 2000 ou 2004, mas não conseguiu eleger o prefeito em 2008.

"Nós vamos colocar responsáveis por região, membros da comissão eleitoral que vão fazer um acompanhamento mais fino", disse o presidente do PT, Rui Falcão. "Em um mês, um mês e meio voltaremos a nos reunir para ver o que foi feito nesse período", acrescentou o presidente do PT. Para Rui Falcão, a reunião de hoje marca a largada do PT nas eleições municipais de 2012.

Entre as 20 cidades cujos prefeitos foram eleitos pelo PT em 2000 ou em 2004 estão três capitais - São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte e Belém - e grandes cidades do interior paulista, algumas simbólicas para o PT como Ribeirão Preto e Santo André.

Em São Paulo o "rolo compressor" do ministro Fernando Haddad (Educação) preocupa parte do PT. "Se não tiver gente responsável lá, o processo pode desandar", diz quem acompanha as conversas. Apesar do apoio do ex-presidente Lula a Haddad, a senadora Marta Suplicy tem dito que manterá sua candidatura. Líderes petistas, no entanto, duvidam que ela possa chegar até 27 de novembro, data marcada para a realização de uma prévia entre os candidatos, se eles não chegarem antes a um acordo.

Há quem aposte no PT que Marta pode desistir se a presidente Dilma Rousseff fizer um apelo nesse sentido. Mas Dilma, até agora, não deu nenhum sinal de que possa tomar essa atitude.

Em Porto Alegre, a tendência no PT nacional é de apoio à reeleição do prefeito José Fortunati (PDT), com o PT indicando o candidato a vice-prefeito, além de assegurar o apoio do pedetista a um candidato próprio em 2016. Mas há correntes que defendem a candidatura própria (a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário) e até aquelas que julgam mais apropriado uma coligação com o PCdoB para apoiar a deputada Manuela D'Ávila.

Uma das situações mais complicadas é a de Belo Horizonte. Nota do diretório local defendeu a aliança com o PMDB ou eventualmente o lançamento de uma candidatura própria.

Em 2008, a disputa pela Prefeitura de BH trincou o PT de Minas. Atualmente, a tendência nacional do PT é pelo apoio à reeleição do prefeito Márcio Lacerda (PSB), com o partido escolhendo um novo candidato a vice, independentemente da posição a ser adotada na capital pelo PSDB.

Dos cinco maiores colégios eleitorais, apenas em duas capitais a situação do PT em relação aos candidatos que apoiará em outubro de 2012 está resolvida ou bem encaminhada: no Rio de Janeiro o partido já decidiu apoiar a candidatura do atual prefeito Eduardo Paes (PMDB) e entrar na chapa com o vice, e em Salvador caminha para confirmar a candidatura própria do ex-deputado Nelson Pellegrino.

Entre as 117 cidades com mais de 150 mil habitantes consideradas prioritárias pelo PT, 12 estão em municípios em que o PT não ganhou nenhuma das três últimas eleições para prefeito, mas a candidata a presidente Dilma Rousseff ganhou a eleição já na contagem dos votos do primeiro turno. Estão neste caso, para citar dois exemplos, a capital da Bahia, Salvador, e Divinópolis, em Minas Gerais.

O último grupo é aquele constituído por municípios em que o PT, em 2008, não ganhou a eleição e também não participou de coligações. Eles somam 34 municípios, entre os quais Florianópolis, capital de Santa Catarina, Presidente Prudente, em São Paulo, e Cascavel, no Paraná.

sábado, 19 de março de 2011

ENTREVISTA DO MINISTRO PADILHA À REVISTA RADIS

REVISTA RADIS 103 - março 2011

ENTREVISTA


Ministro Alexandre Padilha

‘O SUS tem que ser um projeto centrado no usuário’

Adriano De Lavor e Bruno Dominguez*

Médico infectologista com experiência na área de medicina tropical, Alexandre Padilha foi coordenador nacional de Saúde Indígena da Funasa, ministro chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, no governo Lula, atuante na coordenação política da gestão. Filiado ao Partido dos Trabalhadores, esteve na Secretaria de Assuntos Federativos (SAF) e integrou a coordenação das campanhas presidenciais de Lula e Dilma Rousseff. Em sua primeira visita oficial como ministro da Saúde à Fiocruz, Padilha concedeu entrevista coletiva aos veículos da instituição, na qual falou sobre a relação da saúde com o desenvolvimento do país, seguridade social, formação profissional e aproximação do Ministério da Saúde com os atores do controle social. Quinze dias após esta entrevista, Padilha foi eleito, em 16 de fevereiro, presidente do Conselho Nacional de Saúde.

Em seu discurso de posse, a presidenta Dilma citou como áreas prioritárias do governo Educação, Saúde e Segurança. O senhor acredita que agora a saúde vai estar no centro da agenda de desenvolvimento do país?

Tenho certeza absoluta da necessidade de a saúde estar no centro da agenda do país e do compromisso da presidenta com isso, mas acredito que essa não é uma obra só da Presidência, e sim do conjunto do país e de todas as pessoas do setor Saúde. Não é possível ser a quinta economia do mundo sem aproveitar ao máximo o potencial do setor econômico que mais investe em inovação e desenvolvimento tecnológico, que é a Saúde. Hoje em dia, 30% dos recursos de desenvolvimento, informação e pesquisa do país são dos vários segmentos da Saúde, seja o desenvolvimento de soros, medicamentos, vacinas, seja o desenvolvimento de novas tecnologias e equipamentos, inclusive de atenção à saúde. O investimento em inovação e tecnologia da saúde sempre foi setor de ponta em outros países. Não há país, entre as maiores economias do mundo, que não tenha uma política específica de desenvolvimento em relação ao campo da saúde.

Que outros desafios o país deve enfrentar?

O segundo grande desafio do Brasil, ao se tornar a quinta economia mundial, é aproveitar ao máximo o esforço de redução da pobreza e da miséria como a principal estratégia de desenvolvimento econômico. O Brasil aprendeu ao longo desses últimos oito anos que investir, se esforçar e reduzir a pobreza e a desigualdade regional propiciaram a construção de um mercado interno muito pujante, com força econômica e capacidade de inclusão, em seis, sete anos, de uma gente inteira na economia. Isso constrói o Brasil com uma característica diferente da de outros países, que atrai o mundo inteiro.

Qual o papel da saúde nesse cenário?

A saúde é, em relação ao conjunto de políticas, um dos fatores decisivos pra erradicação da miséria e da desigualdade regional. É importante para atrair investimento privado nos estados, para atrair profissionais liberais, profissionais de nível superior. Permanentemente, a saúde tem impactos diretos e indiretos na economia local. O impacto direto é o fato de a expansão da rede estar combinada com o crescimento de uma força de trabalho bem remunerada, que são os profissionais de saúde. Em várias cidades do país, o principal motor da economia local são os agentes comunitários de saúde, os enfermeiros, os auxiliares de enfermagem e os médicos. Há impacto em ampliar a rede pública de saúde: você faz com que as pessoas gastem menos para conquistar aquilo que é o direito fundamental, que é direito de todos. Sempre brinco com meus amigos que foram gestores municipais de cidades pequenas, lembrando que a cada equipe de Saúde da Família que ampliava a cobertura, pessoas paravam de vender sua produção rural. Antes, elas tinham que vendê-la para se deslocar ou pagar o médico. Esse é um impacto direto. E ainda tem o fato de a ampliação do serviço de saúde ser algo fundamental para promoção da cidadania. Não se reduz a miséria do país sem promover a cidadania.

Uma das prioridades do governo Dilma é corte de gastos. Qual a sua expectativa em relação à Saúde?

Tenho certeza de que a presidenta Dilma não vai fazer cortes em política social do governo. Pelo contrário, acho que ela tem como um desafio — que assumiu para si, com os ministros da área social, mas também os da área econômica e os responsáveis pela gestão do governo — que é fortalecer e expandir nossas políticas sociais. Isso tem a ver com recursos e com investimento. Acho que tem um sentimento de quem atua na área da saúde, de todos os partidos — em governos estaduais, municipais ou Governo Federal, nos espaços institucionais ou nos segmentos econômicos relacionados a saúde, movimentos sociais, associações de hospitais, as várias confederações de prestadores, trabalhadores e gestores —, de que a saúde precisa de mais recursos.

Como conquistar esses recursos?

Nossa capacidade de ganhar mais recursos para a saúde será a nossa capacidade de mostrar que queremos aplicar num certo modelo de atenção que garanta acesso, atendimento de qualidade, que priorize a inclusão, a prevenção, a atenção básica, e, por outro lado, a nossa capacidade de gestão dos recursos a mais que vêm. Então, para mim, não existe uma dicotomia entre o debate de melhorar a gestão e garantir mais recursos. Estou absolutamente convencido de que a única forma de conquistarmos recursos para consolidar o SUS é darmos sinais claros de que temos maior capacidade de gestão sobre esses recursos. Quando falo de gestão, não estou falando somente de custo e efetividade, ou de fazer mais com o que nós temos, de reduzir custos onde tiver que reduzir. Falo também de fortalecer o modelo de atenção focado no usuário e que tenha a atenção básica como pilar. Falo da necessidade de que o processo de gestão garanta transparência para o conjunto da sociedade brasileira. O SUS só vai se consolidar no interior de uma aliança da sociedade brasileira. Isso significa transparência não só nos gastos, mas nas decisões. Tenho certeza de que vamos consolidar as políticas sociais do governo da presidenta Dilma e temos grandes chances de obter, sim, mais recursos na Saúde.

Durante os últimos anos, o governo ficou dividido quanto à questão do financiamento. O senhor visualiza de que fontes pode vir o financiamento da Saúde? Qual sua expectativa em relação a isso?

Para mim, pode vir da lua, de Marte, da Nasa. Esse é um debate que o Congresso tem que fazer. A agenda do desenvolvimento só vai se sustentar se, junto com o crescimento da economia, nós pudermos aumentar os recursos para a Saúde. A fonte é um debate que o Congresso tem que fazer. O debate que eu, como ministro da Saúde tenho que fazer, é qualificar a gestão do SUS para mostrar por que quero mais dinheiro e onde quero aplicá-lo. Esse é um desafio nosso. Só vamos conseguir mais recursos se conseguirmos mostrar que mais recursos serão bem aplicados e reafirmarão um novo modelo de atenção à saúde, e que, com o processo de aplicar os recursos, a gente reconstrói essa aliança com a sociedade. Acho que esse é meu principal esforço como ministro. De onde vem o dinheiro, é o debate que o Congresso tem que fazer.

A maioria do Governo no Congresso facilita essa perspectiva?

Acho que sim, mas também acho que o debate mais importante para a Saúde não é só da base do governo. É também um sentimento dos partidos da oposição.

Um dos temas que têm mobilizado os movimentos sociais no campo da saúde é o que se tem chamado de privatização da saúde. Qual o seu diagnóstico sobre essa discussão?

Não podemos fazer um debate ideologizado sobre isso. Quando fomos construir o SUS, esse debate apareceu: se o SUS tinha que ser só estatal ou se tinha que compreender a participação de várias modalidades de entes não estatais, sejam filantrópicos, hospitais universitários, o próprio setor privado credenciado. O movimento de Reforma Sanitária, naquele momento, compreendeu que o SUS não tinha que ser só estatal. Essa é uma primeira questão. Defendo o SUS como um projeto público, permanentemente público, que esteja voltado para o usuário e tenha controle público permanente. Hoje, a maior parte dos equipamentos de saúde do SUS é não estatal. Isso foi até maior no começo, logo quando se criou o Sistema Único de Saúde. Acredito que qualquer modelo gerencial tem que respeitar o conjunto de diretrizes do SUS. Inclusive em relação aos modelos estatais, porque tem muito modelo estatal que não é público; que não tem nada de controle social; onde os trabalhadores são menos valorizados do que trabalhadores que têm vínculo com fundações ou com organizações que não são necessariamente estatais. Por isso, acho que esse debate não tem que ser ideologizado, nesse sentido de confronto entre o estatal e o não estatal. O debate tem que ser o SUS como projeto público, voltado para o usuário, com controle social permanente, e onde processo de valorização do gestor e dos trabalhadores tem que existir. Para mim, o SUS tem que ser um projeto usuáriocentrado: o centro sempre tem que ser o usuário, sempre o acesso. Não tenho bloqueio ou preconceito contra qualquer modelo gerencial. Desde o início, o SUS convive com organização não governamental, OS, hospital filantrópico, hospital particular credenciado. Para mim, não é esse o debate. Isso fez com que a gente ficasse anos e anos se distanciando do debate central, que é o SUS ser um projeto público, voltado para o usuário e para a ampliação permanente do acesso com qualidade para a população.

Quais são as prioridades para a educação e formação técnica de nível médio dos trabalhadores do SUS?

Tenho dito que estamos construindo no Ministério da Saúde uma obsessão única que é o acesso de qualidade, em tempo adequado, para a necessidade de saúde das pessoas, com a qual todos os secretários e todos os eixos de atuação do ministério têm que dialogar. O centro do debate é: o Brasil tem que construir um planejamento estratégico para daqui a dez, 15, 20 anos, definindo que profissionais quer ter, onde quer que estejam trabalhando e que política de formação quer para garantir isso. Tem tudo a ver com formação.

E em relação ao ensino técnico...

A modalidade do ensino técnico é fundamental, para qualificar um conjunto de trabalhadores que já estão no SUS e exigem qualificação e valorização dessa força de trabalho. A expansão da modalidade de ensino técnico — seja no nível médio ou no nível superior — é fundamental para expandir cada vez mais o acesso aos serviços, numa realidade tão diversa que é o Brasil, com dificuldade de acesso geográfico, de novos serviços e equipamentos de saúde adequados às necessidades. Para expandir o serviço de saúde você tem que aproveitar cada vez mais a população que vive nessas realidades. A oportunidade maior de formação e valorização dos trabalhadores e inclusão dessas populações é através do ensino técnico. Ele é estratégico, mas tem que acompanhar o debate que nós vamos fazer com os profissionais do nível superior.

Como será esse debate?

O Ministério da Saúde vai coordenar um debate sobre comissão de residência médica, juntamente com o MEC. Vamos fazer um grande mapa nacional para comparar a oferta de serviços de saúde que temos e as necessidades de saúde de cada uma das regiões sanitárias do país, cerca de 500, para ter um indicador permanente de avaliação de acesso. Dentro desse mapa, incluímos — e conversamos com o MEC sobre isso — a necessidade de profissionais e força de trabalho para cada uma destas regiões, para que se tenha um projeto estratégico que defina quais os profissionais que o Brasil quer formar (e onde). Isso deve ser guiado pelas necessidades de saúde articuladas pelo SUS, pelo ministério, no nível federal, e não que seja uma determinação exclusiva dos espaços de formação — escolas e instituições de ensino. A demanda tem que vir do setor Saúde.

Como tratar de forma intersetorial os problemas de saúde decorrentes do desenvolvimento e resgatar o conceito e a prática da seguridade social no Brasil?


O conceito e a prática da seguridade social vêm sendo resgatados desde que o presidente Lula colocou as políticas sociais no centro da agenda política do país. Cada governo, em todos os níveis, deveria investir nas políticas sociais, que seriam decisivas para o desenvolvimento do país. Um estudo recente do Ipea demonstra que saúde e educação são as políticas que dão mais retorno para o crescimento do PIB. Todo o esforço que tivemos em criar uma rede de proteção social, com o SUS, a previdência pública, a partir do Bolsa Família, só reforça isso. A discussão sobre como o crescimento econômico e o desenvolvimento do país promovem a Saúde, ao invés de trazer novos impasses, é um desafio do setor da Saúde, mas também de outros setores econômicos. Não penso qualquer agenda de desenvolvimento que não tenha a variável ambiental como algo central. Todos os atores econômicos começam a perceber mais fortemente isso. Temos um exemplo, de quando eu estava no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social — eu era ministro das Relações Institucionais — e coordenei a construção da posição brasileira na COP-15 (Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas), em Copenhague, Dinamarca. Fizemos com que a Confederação Nacional da Indústria (CNI), Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) construíssem sua agenda ambiental. O conselho, que reúne da maior liderança empresarial à maior liderança dos trabalhadores, representante indígena e representante da academia, construiu um consenso sobre agenda ambiental. Esta variável ambiental está incorporada aos vários atores econômicos e sociais do país. Lógico que as divergências vão sempre existir, sobre se determinada obra ou projeto de desenvolvimento tem maior ou menor impacto ambiental. O fundamental é que, hoje, sob todas as ações do Governo Federal, nós não pensamos mais em plano de obra; pensamos em projeto de desenvolvimento.

O senhor pode dar um exemplo?

Vou citar um exemplo que é polêmico e, por isso, faço questão de citá-lo: a usina de Belo Monte. Eu acompanhei de muito perto, por conta da minha atividade profissional, toda a expectativa daquela região em relação a existir (ou não) a usina de Belo Monte. Isso vem desde o final dos anos 80. Não tenho dúvida de que a grande oportunidade para aquela região enfrentar gargalos que existiam em relação ao saneamento ambiental, à formação na educação e à expansão dos serviços de atenção à saúde só são possíveis agora por conta do projeto Belo Monte. Combina um projeto de usina hidrelétrica que, numa reavaliação, reduziu e muito os impactos ambientais, com US$ 4 bilhões de investimento em saneamento, reestruturação da rede de saúde e educação. Em várias regiões do país, a oportunidade de enfrentar gargalos históricos do desenvolvimento e oferecer condições mínimas para as pessoas viverem (acesso a água tratada, tratamento de esgoto, saneamento, serviços de saúde e de educação) só é possível quando se faz dentro desses projetos de investimento. Essa é a melhor forma para enfrentar a contradição que sempre existirá entre crescimento econômico, preservação ambiental e promoção da cidadania. O Brasil, hoje, é um dos países que está no contexto do risco mundial de uma epidemia de obesidade. Isso, em parte, decorre da ascensão social, de as pessoas pararem de passar fome, começarem a consumir cada vez mais alimentos. Isso não é necessariamente ruim. A inclusão social é absolutamente positiva para o desenvolvimento do país e vamos conviver com novos riscos e novas contradições, fruto do processo de crescimento. O Ministério da Saúde tem papel decisivo nesse grande plano de combate à miséria que a presidenta Dilma estabeleceu como meta principal.

No seu discurso de posse, o senhor falou da “obsessão” em melhorar a qualidade do SUS, inclusive com a diminuição das filas. Já existe um plano para isso, levando-se em consideração que nem o Canadá conseguiu resolver este problema?

O que eu falei foi exatamente isso. Tenho uma obsessão, que tem que ser projeto único do ministério, que é colocar no centro de qualquer processo de planejamento das decisões políticas de saúde a ampliação do acesso e acolhimento em tempo adequado à necessidade de saúde das pessoas. E reconhecendo que esse é um problema do mundo inteiro, dos nossos sistemas públicos nacionais, como também da saúde suplementar no Brasil. O fato de ser um problema não nos permite deixar de fazer com que isso esteja no centro do nosso planejamento. Quando pensamos em desenvolvimento tecnológico, temos que pensar em promoção do acesso. O investimento tecnológico que a Fiocruz desenvolve tem impacto decisivo no acesso, quando reduz custos, garante oferta de tecnologia, de insumos, de vacinas e medicamentos com que o SUS não teria condições de arcar se tivesse que adquirir do setor privado. Isso nós estamos fazendo com todas as unidades do ministério. Do ponto de vista nacional, da relação com os estados e municípios, a ideia é criar dois mecanismos que serão estruturantes para trazer o tema do acesso para o centro do planejamento entre União, estados e municípios.

Fale sobre esses mecanismos...

Primeiro, queremos ter um instrumento mais sólido na relação dos governos estadual, governo municipal federal. A ideia é criar contratos interfederativos, onde se estabeleçam metas e compromissos muito claros. No centro desse contrato, estarão as estratégias e as opções que estado e município fazem para ampliar o acesso em tempo adequado. Para construir esse contrato, queremos mapear o Brasil em regiões sanitárias — e o próprio pacto de gestão já fez esse primeiro mapeamento. O objetivo é que, para cada realidade regional, você tenha o mapa sanitário, onde se possam comparar as necessidades de saúde e a oferta dos serviços. Outro momento estruturante é criar um indicador nacional de garantia de acesso. Estou conversando com instituições acadêmicas, institutos de pesquisa, municípios que já têm experiências como essa, para que tenhamos um grande indicador nacional, com sua base estadual, sua base regional e sua base municipal. Ele servirá para que a gente conheça uma linha das garantias de acesso que cada região oferece para a população e, a partir dos recursos e dos investimentos estratégicos, se possa avaliar a evolução desse indicador, inclusive premiar quem teve mais capacidade para ampliá-lo.

Uma figura fundamental na atenção básica é o agente comunitário de saúde. A formação desse profissional é feita em três módulos. Em 2008, a Comissão Tripartite decidiu que o Ministério da Saúde só poderia financiar o primeiro módulo. Há interesse em retomar essa discussão?


Há pleno interesse nisso. Vários estudos mostram que a qualificação do agente comunitário de saúde é um dos fatores decisivos para a qualidade do serviço de saúde, sobretudo na atenção básica. Precisamos é definir a estratégia e o aporte financeiro para garantir isso. Não acredito que você possa fazer isso sem fortalecer o ensino a distância e o ensino em serviço. As próprias instituições de formação têm que se reestruturar, estar mais próximas do serviço, pensar uma estratégia de tutoria para dar conta desse desafio. E fazer isso no conjunto da equipe. Um dos grandes erros das estratégias de formação para a atenção básica é pensar os componentes da equipe de forma isolada: cria-se um grande programa de capacitação e formação para agente e não se cria para os demais profissionais, inclusive médicos e enfermeiros; ou não se garante estrutura e condições para que não haja grande rotatividade. Faz-se investimento em formação no profissional que não fica fixo naquela região.

A presidenta Dilma apontou as UPAs como estratégia importante na organização do sistema de Saúde. O senhor destacou a promoção da saúde e a atenção primária. Uma crítica às UPAs é que elas contrariam a organização do sistema a partir da atenção primária. Como articular as duas ideias?

Isso é fundamental na discussão que estou fazendo sobre acesso. Estou convencido — e a presidenta também — de que as UPAs são equipamentos que fazem parte de uma rede que combina a atenção de urgência e emergência com a atenção básica de saúde no Brasil. Só assim elas fazem sentido. Para mim, as UPAs complementam em parte o que nós chamamos de atenção primária em saúde, porque vão funcionar 24 horas, ficam num certo território, onde há outros equipamentos de saúde, e funcionam como observatório da qualidade da atenção básica. Na UPA, você pode perceber se o perfil de atendimento revela ou não a insuficiência de resolutividade da atenção básica. Dependendo do perfil de atendimento, pode ser resolvido na atenção básica, aliviando a pressão das unidades de urgência e emergência. Por isso, é um equipamento fundamental. Nosso compromisso em implantar 500 UPAs no país vai estar permanentemente combinado a uma rede de urgência e emergência, que reúne UPA, Samu e central de regulação e requalificação das unidades de emergência. Estamos mapeando os pronto-socorros de referência no país (não são mais do que 200) para se ter um grande programa de qualificação. Combinado com esse esforço, nosso maior desafio hoje é a garantia de oferta de leitos clínicos de curta e de média duração. Um dos motivos hoje para lotação das urgências e emergência do país é o fato de uma parte dos pacientes que já poderiam ter saído de um serviço de urgência e ir para um leito clínico, não ter oferta desse leito naquela região.

Na gestão passada, houve distanciamento entre ministério e controle social. Este ano, teremos Conferência Nacional de Saúde. Como pretende retomar essa relação e fortalecer o controle social?

Venho de uma experiência muito recente na condução do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Este ano é decisivo para o controle social e para o SUS. Nós não podemos reproduzir na 14ª Conferência Nacional de Saúde o mesmo cenário que encontramos nas últimas conferências. É preciso pensar metodologia: como se vai garantir a participação de milhões? Na 13ª, o relatório final tinha mais de 100 propostas. Cada uma representava um segmento ou um desejo pontual, todos muito legítimos, mas sem uma proposta estruturante para o SUS e usuários do SUS. Sugeri em um debate no Conselho Nacional de Saúde (CNS) que, em vez de a conferência ter três ou quatro eixos, como vinha sendo construída, tenha eixo único. O Conselho concordou com o eixo único, orientador dos demais, que é o acesso com qualidade e tempo adequado para a necessidade das pessoas. Esse é um desafio do SUS e de toda a seguridade social. Outro esforço que precisamos fazer é afirmar o conselho como espaço de construção de uma agenda estratégica. Mesmo que a tarefa do conselho seja acompanhar as decisões da política de saúde, do gestor, ele tem que construir uma agenda estratégica, para poder ter maior papel de controle. Quando exerce o controle só em questões pontuais, perde sua capacidade de influenciar a política mais geral. O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social mostrou essa experiência: teve papel decisivo para o governo Lula na construção da Agenda Nacional de Desenvolvimento. O CNS só consegue influenciar quando constrói um grande consenso sobre temas que envolvem todos os segmentos. A contribuição que quero dar ao conselho é no contexto de que a gente construa uma agenda estratégica para o SUS. Em segundo lugar, quero manter a política de formação e capacitação dos conselhos estaduais e municipais. É nessa prática de valorização e diálogo com o Ministério que a gente também valoriza o espaço de controle social.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Os desafios do Ministério da Saúde

Do Valor

"Saúde deve mostrar serviço com verba que tem"

Raymundo Costa | De Brasília
11/03/2011


Ruy Baron/Valor

Antes de pedir mais dinheiro para a saúde, o ministro Alexandre Padilha vai tentar gastar melhor o que tem. Só com isso - acredita - será possível convencer a sociedade a permitir novas formas de financiamento e levar a saúde a padrões de primeiro mundo. Segundo Padilha, o Brasil tem o programa - Sistema Unificado de Saúde (SUS) - que mais faz transplantes e hemodiálises do mundo, e, no entanto, gasta apenas R$ 660 per capita. Isso somados União, Estados e municípios. Só a União investe R$ 304 per capita. Inglaterra e Canadá gastam seis vezes mais. Há dois meses no Ministério da Saúde, Padilha diz que há uma revolução a caminho, que vai desde um novo modelo de construção de unidades de saúde, até a mudança da forma de remuneração dos hospitais. Ele quer regionalizar os atendimentos de saúde. Cobrar compensação dos planos por seus segurados atendidos na rede SUS é prioridade dele e da presidente. Não dá prazo, mas diz que já este mês concluirá a primeira etapa da implantação do Cartão SUS. A seguir, a entrevista concedida aoValor:

Valor: O problema da saúde é mais de gestão ou de dinheiro?

Alexandre Padilha: Eu não tenho dúvidas de que a gente pode fazer muito mais com o que temos. A prioridade é dupla: investir melhor o que nós temos e ter mais para investir cada vez melhor. Agora eu tenho plena consciência de que no debate com a sociedade, neste momento, a prioridade do ministério é mostrar claramente que pode fazer mais com o que tem, aumentar os controles, ter pactos cada vez mais claros com o que tem e definir melhor suas prioridades, até para a sociedade ter segurança e a economia brasileira poder colocar mais recursos para a saúde para que a gente possa atingir os patamares de outros países. Porque há países em que o investimento no setor é de dez, 11, 12 vezes mais per capita.

Valor: Com atendimento universal?
Padilha: O dos EUA é o que mais investe, é 11, 12 mais, mas é muito privado. Canadá e Inglaterra, seis, sete vezes mais. No Brasil, a saúde suplementar é quase três vezes maior que a saúde pública per capita. Mas atende a 45 milhões de pessoas. O SUS, teoricamente, atende 190 milhões, mas, na prática, responde por 150 milhões. O investimento per capita da saúde suplementar é quase três vezes mais o per capita da saúde pública.

Valor: O senhor vai retomar o projeto das fundações estatais para gerenciar a saúde?

Padilha A prioridade é o aprimoramento da gestão do SUS. Acho um grande erro misturar aprimoramento das gestão, com modelo gerencial administrativo.

Valor: O que precisa para que os hospitais públicos tenham o padrão da rede Sarah Kubitschek?

Padilha: Temos alguns hospitais públicos do mesmo padrão. Alguns hospitais universitários. A rede Sarah Kubitschek é uma rede que nos orgulha a todos. É uma rede em parte é financiada com recursos públicos. Tem excelência na gestão.

Valor: É uma fundação. O senhor é contrário a esse modelo?

Padilha: Só não acho que essa seja a centralidade do debate do modelo de gestão. São alternativas gerenciais importantes. Nós precisamos compreender o SUS. O sistema brasileiro é formado por modelos gerenciais diversos. Isso é a riqueza do SUS. Eu sou favorável a qualquer modelo gerencial que cumpra suas diretrizes. No SUS você tem hospitais só estatais de altíssima qualidade, e hospitais só estatais que não são nada públicos, são quase privados. São tão privados quanto hospitais privados, com trabalhadores poucos valorizados. No SUS você tem fundações de altíssima qualidade que seguem as diretrizes do SUS e você tem fundações de baixíssima qualidade na execução. Você tem modelos novos de PPPs, de alta qualidade assim como de baixa qualidade. Precisamos é aprimorar a gestão do SUS na definição da prioridades para investimento.

Valor: Quais são essas prioridades?

Padilha: Às vezes há recurso, investimento, equipamento e estrutura, mas o processo de trabalho na unidade faz com que o atendimento seja de baixa qualidade.

Valor: Por que?

Padilha: A unidade precisa ter uma agenda aberta para o acesso. Há unidades de saúde que têm equipamento, estrutura e profissionais, mas funcionam com a agenda fechada, não acolhem quem chega. Quando acolhe, não faz análise de risco. Então, quem está em situação grave tem o mesmo cuidado e prioridade de quem não está, fica no mesmo lugar, não tem espaço de organização para cada um deles.

Valor: Como será a mudança na gestão?

Padilha: A prioridade, em gestão, é ter instrumentos mais sólidos no contrato entre União, Estados e municípios. Que este contrato seja fruto do que nós estamos chamando de mapa sanitário regional.

Valor: O que é esse mapa?

Padilha: É preciso regionalizar a saúde no país. Esse mapa vai definir qual o território necessário para compor uma rede que vai da atenção básica até uma certa complexidade. Nesse território tem vários gestores. A gestão pura municipal, outro é um hospital estadual, outro, um hospital filantrópico credenciados do SUS. Então você tem vários modelos gerenciais no espaço regional. A nossa centralidade é a gestão das redes no espaço territorial, é isso que pode melhorar a qualidade de saúde do país.

Valor: Como centralizar a gestão?

Padilha: Fazendo os contratos entre Estados e municípios a partir da realidade regional com objetivos e metas claras a serem cumpridas e acompanhadas.

Valor: Fácil assim?

Padilha: Junto com isso pensamos em criar um indicador nacional de garantia de acesso que tenha expressão regional e, de certa forma, tenha o que o SUS oferta para as necessidades de saúde daquela região, o que consegue resolver naquela região. Em que medida o acesso é de qualidade e do nível de satisfação do usuário. Precisamos de um indicador de satisfação do usuário. Isso para compor um grande indicador nacional que pode ter a expressão regional, a expressão estadual e que seja um marcador para a melhoria da saúde para aquela região, para aquele Estado.

Valor: Para que serviria esse indicador?

Padilha: Por exemplo, uma região hoje é nota dois. Nós queremos que em quatro anos ela chegue a cinco. Por esse indicador, União, Estados e municípios definirão a estratégia para que essa região chegue aos cinco.

Valor: A presidente Dilma diz que antes é preciso saber "para quê" vai se pedir mais dinheiro para a Saúde. O senhor sabe?

Padilha: A prioridade são essas duas grandes portas de entrada do SUS: atenção básica e a porta da urgência e emergência. A atenção básica, para ser resolutiva, precisa ter o suporte permanente da atenção especializada.

Valor: Como assim?

Padilha: O médico que está no centro de saúde tem que analisar seu diagnóstico com um médico da atenção especializada fazendo uso da telemedicina. Isso significa reestruturar fisicamente a unidade básica de saúde. É preciso renovar o padrão construtivo das unidades de saúde do país. A vida média dos nossos hospitais é de 35, 40 anos. São construídos no padrão de uma medicina que não existe mais. Por exemplo: a realidade das urgências e emergências. A grande maioria foi construídas quando as urgências e emergências eram um espaço pequeno, a centralidade nos hospitais eram os leitos de internação crônica, de longa duração. Salvavam-se poucas vidas na urgência e emergência. Isso mudou nos últimos 15 anos. Então você tem de mudar todo o padrão construtivo das urgências e emergências do país, para garantir equipes estejam lá, quando forem demandadas, mas também assegurar a relação desta unidade com a atenção hospitalar de média complexidade.

Valor: Como seria esse espaço?

Padilha: A ideia é ter urgências e emergências amplas. Em rede. Na atenção básica tem uma sala de observação, é o primeiro atendimento. No meio do caminho tem uma Unidade de Pronto Atendimento e o transporte seguro, que é o Samu. É preciso ter uma unidade de urgência e emergência hospitalar em que a entrada seja ampla, faça classificação de risco, diga quem é de risco alto, vermelho, quem é de risco intermediário, amarelo, quem não é de risco. Haverá também o leito de retaguarda. Um dos problemas da urgência lotada não é que as pessoas não estejam sendo atendidas. Falta um leito de retaguarda para encaminhar essa pessoa.

Valor: Onde se poderia justificar novos recursos?

Padilha: O acesso ao que tem de mais alta complexidade. O Brasil hoje tem um déficit importante de cirurgia de ortopedia. Seja de cirurgia de urgência e emergência de trauma, que é decorrente de acidente, seja de reabilitação. Há também uma população cada vez maior de acesso a medicamentos de alto custo, quimioterápicos, radioterápicos, que impactam fortemente a realidade de saúde. Isso é de alto custo. O Brasil é o país que mais faz transplante público no mundo, o que tem a maior rede de hemodiálise totalmente pública no mundo. Gratuita, universal.

Valor: Com dois meses no cargo, já deu para identificar os principais gargalos da saúde?

Padilha: Um é esse: os mecanismos de contratualização entre União, Estados e municípios. É um gargalo importante, fundamental. Ou seja, os instrumentos que definem os repasses entre União, Estados e municípios, e que estabelecem metas de compromisso e que induz financeiramente e premia quem cumpre meta. Outra prioridade é a definição do que compõe uma rede de atenção à saúde.

Valor: Por quê?

Padilha: O processo de construção do SUS foi um processo de descentralização para os municípios. Se jogou muito peso no processo de descentralização e menos nas outras diretrizes fundamentais do SUS que são o acesso e a integralidade, ou seja, dar para a pessoa o cuidado integral.

Valor: A saúde suplementar atende mais de 45 milhões de pessoas, que também se servem da rede pública. Quando é que os planos de saúde vão começar a ressarcir o SUS? Isso também não é financiamento da saúde?

Padilha: Esse ressarcimento é prioridade nossa. Nós primeiro precisamos aprimorar as informações que o SUS tem dos atendimentos dos planos de saúde para que se possam estabelecer metas de ressarcimento. A ideia do Cartão Nacional de Saúde, conhecido como o cartão SUS, também é pra isso. Ele é fundamental para reorganizar o sistema. É nossa prioridade, é prioridade da presidenta.

Valor: Qual é a parcela dos usuários dos planos atendida pelo SUS?

Padilha: Há várias estimativas e aproximações. Algumas unidades hospitalares dizem que chega a 15%, 20%, mas hoje não se tem esse dado com precisão. O que se tem hoje é uma estimativa que varia de R$ 500 milhões a R$ 1 bilhão por ano, mas são estimativas. O que se sabe muito claramente é que em geral é muito comum quem tem plano de saúde se utilizar do SUS na urgência e emergência. É muito comum também para o uso do medicamento mais caro, quimioterápico, radioterapia que o plano não cobre, transplantes, cirurgias com alta tecnologia. Isso é muito comum. O ressarcimento é fundamental para compensar, e, mais do que isso, para identificar cada vez mais quais são os pontos de complementariedade. A partir da definição desses pontos é possível construir uma agenda comum de organização dos serviços.

Valor: Como o senhor pretende convencer os planos de saúde, que resistem a fazer ressarcimento?

Padilha: Há uma disputa, inclusive de questões legais. São questionamentos não sobre a lei, que estabelece limites para o mecanismo de ressarcimento. Mas há um interesse também da saúde suplementar de que essa complementariedade seja mais clara. Nós estamos conversando.

Valor: Já existe um cronograma para a implantação do cartão?

Padilha: Fechado não. Nós estamos fechando agora um diagnóstico de quais são os municípios que já usam hoje. Vários municípios já usam o número do cartão SUS para a organização e gestão de seus serviços. Esse diagnóstico fica pronto agora na metade de março. São cerca de 700 municípios. Não necessariamente têm um cartão. Às vezes usam só o número que está cadastrado. Há quase 100 milhões de pessoas cadastradas com o registro do número SUS. Tem 130 milhões de pessoas cadastradas e 100 milhões de cadastros limpos, higienizados de um número do cartão SUS. São Paulo usa o número do cartão SUS para toda a rede básica do Estado. Diadema (SP) usa para tudo: básica, média e alta complexidade e Belo Horizonte (MG) também.

Valor: Então o cartão sai este ano, depois de oito anos e dois governos de discussão?

Padilha: Não dou prazo. O Conselho Nacional de Saúde já discutiu o assunto ano passado.

Valor: O senhor vai primeiro tentar o acordo com a saúde suplementar para ter mais recursos ou o aumento do financiamento via CPMF ou CSS?

Padilha: Eu não vou discutir fonte de financiamento. Meu esforço é aprimorar a gestão para fazer mais com o que nós temos para que o crescimento da economia seja generoso com a saúde no país. Agora uma coisa não tem relação com a outra. O ressarcimento não resolve o problema do financiamento do SUS. O ressarcimento é muito mais que uma compensação pelo uso - ele permite identificar complementariedades entre o SUS e a saúde suplementar.

Valor: O senhor vai reajustar a tabela SUS como reclamam os hospitais?

Padilha: Estou convencido de que nós precisamos apostar num novo modelo de financiamento dos procedimentos da saúde. Todas as experiências mostram que se você puder fugir do modelo de remuneração por procedimento e passar para um modelo de remuneração por pacote - diagnóstico, tratamento e qualidade de serviço, sobretudo alta - você tem resultados e utilização melhor dos recursos. A grande demanda que os hospitais fazem em relação à tabela SUS não é só se vai ou não reajustar, mas discutir qual é o perfil assistencial de cada um desses hospitais. E você sai comprando procedimento pontual em cada hospital. Em vez de pagar procedimento, eu prefiro contratar 20, 30 leitos, blocos de leito, contratar as equipes desse hospital.

Valor: Pelo visto, logo vamos ter um Plano Nacional de Saúde.

Padilha: Ah, isso também!

Valor: Como está sua relação com os governadores da oposição?

Padilha: Ótima. Com todos os da oposição. Um grau de convergência grande tanto com os da base [de apoio ao governo] quanto com os da oposição. Todos sentem na pele a escassez da falta de médico onde se precisa, da distribuição de médicos, da necessidade de reestruturação física das unidades, de se pensar novos modelos da contratação e remuneração de serviços que são ofertados. Hoje há uma grande convergência em relação aos desafios da saúde, não só dos governadores quanto dos secretários dos partidos de oposição. Com alguns deles eu tenho identidade inclusive profissional anterior. Em São Paulo, além de ótima relação profissional com o governador Geraldo Alckmin [PSDB}, do ponto de vista político, o secretário de Saúde é professor da USP, instituição à qual eu estava ligado, então a relação é a melhor possível. Isso é bom porque acho que podemos construir um grande consenso entre a base do governo e a oposição sobre os desafios da saúde no país.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Não maleficência: a segurança como uma obrigação profissional

Não maleficência: a segurança como uma obrigação profissional

De todas as liminares antigas encontra-se enquanto navegamos os escritos de Hipócrates, o mais profundo para mim é o que adverte os médicos “fazer o bem ou, pelo menos, não causar dano.” De fato, o famoso juramento apela especificamente para o médico “considerar o benefício dos pacientes”, “não dar nenhum remédio mortal”, e “abster-se de tudo o que é prejudicial e pernicioso”.

Ressalto que estes pontos não fornecem uma lição de história, mas por causa da crescente preocupação que tenho que a segurança ainda não está em pé de igualdade com outros preceitos médicos como técnica cirúrgica ou confidencialidade.
Quantas vezes já ouvimos a frase “a cirurgia foi bem sucedida, mas que o paciente morreu?” Essas mortes não são sempre atribuídas a erros na sala de cirurgia, mas a infecções pós-operatórias, erros médicos, e problemas em casa devido à instruções impróprias ou falta de acompanhamento adequado atendimento.

Deixe-me oferecer apenas um dado estatístico: o consenso é de que cerca de 100.000 americanos estão perdendo suas vidas a cada ano nos hospitais devido a erros médicos, e muitos mais são prejudicados por infecções e complicações induzidas por medicamentos. Infelizmente, essas mortes e danos seriam evitáveis. Podemos evitá-los no futuro? Sim, eu acredito que nós podemos. Como Gerente Médico Executivo da Blue Cross e da Blue Shield Association, constantemente discuto com os colegas médicos e prestadores a necessidade de cuidados mais seguros, centrados no paciente e mais acessível.

Desses três itens, a segurança é primordial.

Não passa um dia sem meu e-mail ter um recall do produto ou outro exemplo de prática médica “errada” como resultado do julgamento pobre ou descuido.
Um exemplo disso apareceu recentemente no New England Journal of Medicine, que destacou o mau uso de testes de diagnóstico por imagem - fornecer como prova a história de um professor 59 anos de idade que receberam 100 vezes a dose de radiação média durante uma tomografia do cérebro. Um teste que aparentemente não era necessário, se a condição do paciente havia sido diagnosticada corretamente.
Tudo isso aponta para o fato de que nunca demos realce à segurança em medidas de senso comum, como o controle de exposição à radiação ou a equipamentos de imagem mais seguros.

Então, o que podemos fazer concretamente para se concentrar mais atenção na melhoria da segurança do paciente?

Vamos iniciar o utilizando grupos educativos nos hospitais, com o objetivo de incentivá-los a se empenhar mais na adoção de uma série de processos, incluindo o nível de danos medições do sistema que iria melhorar diretamente a segurança dos pacientes.

É hora de começar a criar equipes para o atendimento de qualidade e segurança. Afinal, a responsabilidade pela segurança nos hospitais está, em parte, em cada instituição do conselho de administração. Este é realmente o nome de um programa criado pelo Institute for Healthcare Improvement (IHI) para educar e engajar equipes hospitalares. Em muitos casos a responsabilidade e qualidade em matéria de segurança tem sido delegada pela direção para a equipe médica.

É por isso que eu estou encorajado pela iniciativa do IHI ter hospital todos os grupos gastem pelo menos 25 por cento do seu tempo de reunião sobre segurança e questões de qualidade. Igualmente importante, não é o objetivo maior das equipes de ter uma conversa com pelo menos um paciente (ou membro da família de um paciente) que sofreram danos graves no ano passado em sua instituição.

Mudança da área de decisão do hospital para o centro cirúrgico e listas de verificação pré-operatórias também podem ajudar a salvar vidas. Um simples questionamento antes de fazer a primeira incisão na sala de operação e, especificamente, verificar os materiais e instrumentos a serem utilizados, poderão ter um efeito dramático. Complicações caem drasticamente e os resultados melhoram significativamente quando este passo simples, tal como foi aprovado pela Organização Mundial de Saúde, é tomada pela equipe cirúrgica.

Também há os medicamentos apresentam complicações, já que são muito freqüentes em ambiente hospitalar, incluindo as doses administradas de forma inadequada. Mas este problema pode surgir mesmo em sua própria casa um paciente. O número total de medicamentos prescritos para o paciente que precisarão ser armazenados na prateleira da cozinha ou do banheiro poderá ser, na maioria das vezes, insuportável para o paciente ou seus familiares.

A maioria dos pacientes cronicamente doentes, por exemplo, tem muitos médicos diferentes, em várias clínicas, mas nenhum deles sabe o que os outros prescreveram. Os pacientes olham para os rótulos dos mediacmentos e ficam confusos. Ou tomam medicações demasiadas (com as decorrentes reações adversas), ou desistem. Isso pode resultar em reinternações, doenças evitáveis, e mais seriamente, em problemas graves, como insuficiência renal.

Evidentemente, precisamos de alguém na equipe de atendimento, e o médico da atenção primária seria o candidato ideal para assumir essa sopa de letrinhas farmacêuticas e o cuidado direto do paciente à exposição medicamentosa, buscando maximizar os benefícios e minimizar os danos.

A perda de vidas e danos à saúde são demasiado severos para esperarmos. É a hora de agir e de fazer da segurança a pedra angular da prática médica do século 21.


Allan Korn, MD , é médico-chefe e vice-presidente sênior de Assuntos Clínicos da Blue Cross e Blue Shield Association (BCBSA), uma federação nacional de 39 empresas independentes, baseadas na comunidade e no local operadas pela Blue Cross e pela Blue Shield.

sábado, 15 de janeiro de 2011

A importância da Acreditação Hospitalar

Desde a publicação do relatório Errar é Humano pelo Institute of Medicine 1999 (IOM), http://www.iom.edu, o tema segurança do paciente vem sendo abordado de forma intensa e com grande preocupação nas instituições de saúde de todo o mundo.

Uma realidade aparentemente desconhecida trouxe à superfície uma discussão profunda e complexa acerca da vulnerabilidade dos sistemas de saúde americanos, nas quais a evidência dos erros médicos trouxe preocupação quanto a real qualidade e eficácia do sistema de saúde.

Este relatório foi um grande divisor de águas para que uma mobilização de nível nacional surgisse e que ações de melhoria da qualidade na assistência de segurança do paciente ocupassem lugar nas pautas de discussões estratégicas dentro das instituições de saúde e fossem implementadas de forma imediata.

Apesar da evidência de que sistemas inseguros possibilitam a ocorrência de eventos indesejáveis, como infecções, erros de administração de medicamentos ou falhas em equipamentos, o impacto deste relatório mostra também que nas análises das causas potenciais desses eventos o “desenho” dessas instituições possui um grande impacto no resultado que se deseja alcançar.  

Essas ações de melhoria foram voltadas principalmente para a necessidade de um redesenho no atendimento ao paciente com o objetivo de identificar de forma individual as áreas e recursos vulneráveis para a prestação de serviço.

         Entende-se por desenho de sistemas complexos, e o ambiente hospitalar é um exemplo desses sistemas, aqueles cuja inserção tecnológica crescente, a necessidade contínua de aperfeiçoamento técnico e a interação de profissionais de várias áreas do conhecimento se fazem obrigatórias para a realização daquilo que essas instituições se propõem a fazer – assistir pacientes de forma segura e eficaz.

O grande desafio atual das instituições de saúde é o entendimento de que o ambiente hospitalar necessita ser analisado sob a perspectiva de um sistema seguro, e não somente composto de estrutura, processos ou pessoas de forma desarticulada com o resultado da instituição. Políticas institucionais de segurança do paciente e suas ramificações em todas as áreas do conhecimento que operam dentro dessas instituições foram o maior legado que o relatório do IOM deixou a partir de 1999 para os sistemas de saúde de todo o mundo.

No âmbito nacional, organizações, sociedades e instituições não governamentais vêm trabalhando de forma objetiva e sinérgica na construção de diretrizes assistenciais, alimentação de bancos de informações de melhores práticas assistenciais, sistemas de indicadores para benchmarking institucional, entre outras ações e também parcerias.

Os projetos de qualidade implantados nas instituições de saúde e a consolidação de certificações devem ser vistos como meios valiosos para que essa cultura da qualidade e segurança seja fluida dentro das organizações. A necessidade da construção de um arcabouço gerencial, como protocolos clínicos baseados nas melhores evidências, procedimentos, sistema de monitoramento e indicadores, investimento em capital humano e desenho de fluxos assistenciais nos dão a certeza de que o caminho para a melhoria contínua da qualidade e segurança do paciente transcende apenas o indivíduo. Estamos falando de desenhos institucionais.

O Hospital Pró Cardíaco dentro deste Movimento Segurança do Paciente vem trabalhando ao longo de alguns anos em ações estratégicas com desdobramentos locais, com o objetivo de tornar cada vez mais segura a sua prestação de seus serviços.

A criação e sustentação de uma cultura de segurança institucional é o grande alicerce dessas ações em todos os níveis hierárquicos, pois é a partir dela que iniciativas individuais e coletivas brotam de forma espontânea de todos aqueles profissionais que se encontram ligados diretamente à assistência ao paciente.  A cultura da segurança é o produto de valores, seja de um indivíduo ou de um grupo, atitudes, percepções, competências e padrões de comportamento, que de forma sinérgica e contínua determinam o envolvimento de uma organização frente ao gerenciamento da segurança do paciente.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Cuba registra a menor taxa de mortalidade infantil de sua história


Cuba terminou 2010 com uma taxa de mortalidade infantil de 4,5 por mil nascidos vivos, a menor no país ao longo de sua história.
O jornal Granma informou hoje que Villa Clara ancabeça a lista, com 2,5, enquanto sete outras províncias se situam de 5,0: 3,0 Holguín, Cienfuegos e Matanzas, 3,7, 4,4 Camagüey, Granma 4,7 e Pinar del Río e Sancti Spiritus, 4.9.
Explica que o município especial de Isla de la Juventud mostra 2.8, e as províncias com pontuação superior a 5,0 não ultrapassam a taxa de 5,7, um demonstrativo da equidade do sistema social cubano.
Além disso, 23 municípios declararam zero de mortalidade.
No ano encerrou com 127.710 nascimentos, 2,36 mil a menos que em 2009, embora 45 óbitos a menos.
Estes são os resultados dos trabalhos da Revolução para a saúde e o bem-estar da mãe e da criança, refere o jornal .
Acrescenta que há mais do que a confirmação dos esforços de um pobre e criminalmente bloqueado, que se estabeleceu como o país das Américas com a menor mortalidade infantil, indicador internacional que mede a qualidade com que uma sociedade cuida e protege a mulheres grávidas, o pós-parto e as crianças.
Entre os fatores que contribuíram para esses índices favoráveis são, em primeiro lugar, a vontade política do governo revolucionário para prestar cuidados de saúde a todos os cidadãos, com especial cuidado para as mães e crianças.
Eles também determinam a existência de um elevado nível de educação da população e um programa de vacinação que abrange treze doenças, com uma cobertura de quase cem por cento das crianças, o que levou à erradicação e controle de várias doenças evitáveis por imunização.
Também tem relação o fato de ter um sistema de saúde universal, acessível e gratuito para todos, com base em uma extensa rede de centros de saúde e centros de atendimento primário, bem como a promoção sistemática e campanhas de prevenção.
Em geral, a despesa per capita em saúde, que eram de 3,72 pesos em 1959 (com uma população de cerca de sete milhões), subiu para 576 pesos per capita em 2010, para os 11,2 milhões de habitantes.

(Com informações da AIN)

sábado, 8 de janeiro de 2011

Entrevista com Adeli Sell

Adeli Sell é Presidente do PT Municipal de Porto Alegre


Militância teve papel fundamental nessa eleição, avalia Adeli Sell
Aos 57 anos, Adeli Sell, atual presidente do PT municipal, já concretizou diversos objetivos de sua vida. Está no seu 4º mandato de vereador em Porto Alegre, cidade que escolheu para viver. Já dirigiu o partido que ajudou a fundar no início da década de 80 nas instâncias estadual e municipal. Escreveu e publicou livros. Casou, descasou e casou novamente. Plantou árvores, mas não teve filhos. - Por quê tê-los?, questiona-se, de forma irônica, sempre que indagado. Falta um grande desejo, segundo ele: estar no comando da prefeitura de Porto Alegre. Para isso, avisa: “estou trabalhando ferrenhamente”.

Filho de pequenos agricultores, Adeli conta que em 1973 pegou a única maleta da família e de carona veio a Porto Alegre. Adotou a capital dos gaúchos e por ela também foi adotado. Cursou Letras na UFRGS, foi professor de vários cursos de Inglês. Lecionou Literatura na Faculdade de Letras, em Osório, e foi livreiro por longos anos. Foi um dos fundadores do PT no Rio Grande do Sul e membro da Executiva Estadual por 15 anos. Em 1996, decidiu sair da esfera estadual para tentar uma vaga na Câmara Municipal. Foi eleito vereador, reelegendo-se em 2000, 2004 e 2008. Atualmente cumpre o seu quarto mandato.

Em meio a este período, por 15 meses (2003/2004) foi titular da Secretaria Municipal da Produção, Indústria e Comércio (Smic) de Porto Alegre, onde desenvolveu uma metodologia de trabalho no combate à pirataria, ao contrabando e à falsificação. Nesta entrevista, a última da série com dirigentes e secretários do PT-POA, Adeli faz um balanço de sua gestão no ano de 2010 e projeta o futuro do partido para o biênio 2011/2012.

Leia mais aqui.

PT-POA – Como surgiu o PT na tua vida?
Adeli Sell - Sou um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores. Pertencia a um grupo político chamado Liberdade e Luta. Era uma tendência estudantil de raiz trotskista e que tinha uma série de questionamentos sobre a formação do PT – chegou a dizer, em alguns momentos, que o PT seria um partido tradicional, um pilar da ditadura -, uma grande besteira. Felizmente essa concepção durou pouco tempo e como todos os bons trotskistas, o grupo resolveu fazer entrismo dentro do PT. Participei desde o início da Direção do Partido. Por 15 anos integrei a Executiva Estadual do PT. Fui Secretário de Organização por 2 vezes, Secretário de Comunicação, Secretário de Assuntos Institucionais e Secretário-Geral do partido. Em 1996, decidi sair da Executiva para tentar a vida no legislativo. Me elegi na primeira tentativa de ser vereador em Porto Alegre, fazendo mais de 6 mil votos. De lá para cá concentrei minha atividade na cidade. Eu nunca havia sido dirigente do PT local e estar a frente do PT de Porto Alegre é um grande júbilo.

PT-POA – Qual a razão de sair da esfera estadual e optar por comandar o partido no município?
Adeli Sell – Meu foco já estava voltado para Porto Alegre, por ser vereador, por trabalhar as questões da cidade. Acho que a possibilidade legislativa de um vereador é muito superior a de um deputado estadual. Além disso tudo, me considero um profundo conhecedor dos problemas de Porto Alegre e visualizo um conjunto de soluções para a cidade, como demonstrei recentemente com o lançamento do meu livro “Porto Alegre, a modernidade suspensa”, onde traço um panorama de Porto Alegre: como é atualmente, como já foi, os seus conflitos e quais são as perspectivas para o futuro. Além do mais, não escondo de ninguém o meu desejo de um dia ser prefeito desta capital.

PT-POA – Tu és natural de Santa Catarina e muito cedo decidiu vir para Porto Alegre. Como surgiu esse amor pela cidade? Foi difícil a adaptação?
Adeli Sell – O amor por Porto Alegre surgiu logo no início, quando cheguei aqui. Claro que sofri um choque cultural muito grande. Migrei na década de 70 de uma cidade muito pequena, rural, do interior de Santa Catarina para uma metrópole em crescimento. Vivenciei o grande boon da construção civil, me envolvi com os movimentos sociais da cidade e, em 1979, comandei a grande greve da construção civil, a maior greve da história dos trabalhadores do Rio Grande do Sul.

PT-POA – Tu já estás completando quase 16 anos no legislativo. Por outro lado, teve uma breve experiência no Executivo como secretário da Smic. Poderia-se dizer que tua praia é mesmo o legislativo?
Adeli Sell – Gosto muito do legislativo. Me encontro bem por aqui, sei navegar nos momentos de dificuldade, sei como entrar nesse mar revolto que é o legislativo, e também sei surfar nos bons momentos. Mas eu tenho uma paixão muito grande pelo Executivo. Nos meus curtos 15 meses no comando da Smic pude me dar conta de que sou um Executivo por vocação, também. Acho que não são incompatíveis as atividades legislativas e de executivo, mas eu gostaria de voltar, mais dia ou menos dia, para o Executivo municipal, pois ali você pode concretizar muitas coisas que apenas propomos aqui na Câmara como legisladores.

PT-POA – Esse seria um objetivo de curto, médio ou longo prazo?
Adeli Sell – Se as forças e a conjuntura política me ajudarem será de curto prazo. Eu não posso esconder isso do meu partido de que gostaria de ser o candidato à prefeito. Mas isso vai depender do partido. Respeito profundamente as instâncias partidárias. Respeitei decisões democraticamente tomadas pela sigla. Gostaria de ter sido, neste ano, o presidente da Câmara Municipal de Vereadores. Mas as injunções políticas no início desta legislatura colocaram a minha colega e amiga Sofia Cavedon como a presidenta. Aceitei. Articulei, inclusive, para que parassem as tentativas de puxada de tapete, como se diz, por que eu acho que as decisões partidárias devem ser respeitadas.

PT-POA – Como tu analisarias as tuas chances, hoje, dentro do partido para concorrer a uma vaga ao Executivo?
Adeli Sell – Depende muito da conjuntura política e das relações com os outros partidos, por que nós estamos em uma aliança tanto em nível Federal como Estadual. Estamos com os partidos aqui que nós chamamos de Unidade Popular – PSB, PCdoB e PPL – e temos também relações históricas com o PRB, que está coligado conosco em nível nacional. Com esses partidos nós vamos dialogar preferencialmente no próximo período. Nós, evidentemente, temos relações históricas com o PDT, que compõe o governo do Estado conosco, mas não posso esquecer que o PDT, por injunções da renúncia do prefeito José Fogaça, do PMDB, acabou assumindo a prefeitura de Porto Alegre. Temos um profundo respeito pelo atual prefeito José Fortunati, mas achamos que a composição do seu governo destoa daquilo que nós queremos da Porto Alegre de hoje e do futuro: que é um governo mais dinâmico, mais ousado, um governo que supere a paralisia que a cidade vive hoje. Nós temos um grande problema na execução dos serviços, as secretarias parecem ser um governo a parte, os secretários não se entendem. Acho que o prefeito está fazendo um esforço muito grande, mas ele sozinho não será o salvador da pátria. Acho que ele pode ter problemas, caso venha a disputar a reeleição. Na minha avaliação, ou não soube, ou não teve as condições políticas para nesse ano de 2010, com o resultado eleitoral em nível estadual e federal, fazer as mudanças que nós acreditamos que ele deveria ter feito para poder compor conosco uma aliança nas próximas eleições. Eu começo a ver isso numa forma muito distante.

PT-POA - Há, também, outros partidos em disputa, como é o caso do PTB, não é?
Adeli Sell – Sim. Mesmo que eles estejam no atual governo municipal, o partido esta conosco em outras instâncias e isto facilita uma aliança. O futuro ainda está em aberto, mas nós estamos jogando pesado para que o PT se fortaleça e o meu objetivo, como presidente do PT, não é ter como pressuposto a minha candidatura ou a de qualquer outro companheiro, mas é o fortalecimento das instâncias partidárias. Por isso que eu tenho insistido tanto no empoderamento das zonais, das setoriais e dos núcleos de base. Queremos fazer filiações qualificadas, por isso estamos montando na sede do PT uma grande biblioteca, que será a menina dos olhos do Diretório Municipal nesta gestão. Nós queremos que as pessoas possam ter acesso à leitura. Temos uma grande dificuldade de debate hoje no PT, já fomos melhores neste particular. Estamos remodelando o site partidário, para que ele seja um veículo de fácil leitura diária e também de permanente atividade junto ao militante. Nós estamos criando as estruturas físicas da sede para que possamos fazer entre 6 e 7 reuniões concomitantes. Estamos finalizando o nosso pequeno centro de eventos nos fundos da sede para fazer atividades culturais e de arrecadação de fundos.

PT-POA – Como foi assumir a presidência do PT em Porto Alegre? Em quais condições tu encontraste a sede e a estrutura do partido na cidade?
Adeli Sell – Nós assumimos a sede municipal e o Diretório com grandes dificuldades financeiras. Perdemos as eleições de 2004 e 2008. Dessas derrotas eleitorais, permaneceu uma dívida astronômica. No entanto, ela esta sob controle, está sendo gerenciada e paulatinamente estamos cumprindo com os nossos compromissos. Hoje, estamos dando uma nova cara para a sede municipal, fazendo as reformas necessárias, colocando-a em condições de receber nossos filiados. Por isso a remodelação da nossa loja, a criação do cyber café, a biblioteca e o centro de eventos.

PT-POA – Essas mudanças podem, de alguma maneira, ser reflexo desse aumento de filiações partidárias?
Adeli Sell – Não tenho dúvidas de que a procura se dá por várias razões. Uma delas diz respeito ao fator visibilidade, dada a vitória em nível estadual e federal. Outra corresponde, sim, às mudanças estruturais e físicas do nosso espaço.

PT-POA – Como tu avalias o papel do Diretório Municipal nas campanhas vitoriosas de Dilma, Paim e Tarso?
Adeli Sell – Acho que a militância teve um papel fundamental nessa eleição. A campanha do Paim, da qual tive o privilégio de ser o coordenador geral, só foi vitoriosa por que a militância atendeu o nosso apelo de que a campanha poderia correr riscos e nós poderíamos perder esse posto no Senado da República. A mesma coisa ocorreu nas vitórias do Tarso e da Dilma. Foi uma luta pesada, porque nós vínhamos de derrotas, mas dessa vez fomos vitoriosos em todos os sentidos: elegemos a Dilma, o Tarso e o Paim e um número significativo de deputados estaduais e federais.

PT-POA – Pode-se afirmar que o clima nas ruas foi completamente diferente em 2010?
Adeli Sell – Indiscutivelmente. A recepção em 2004, 2006 e 2008 foi muito diferente. Nós passamos pela famosa crise de 2005/2006. Muito por que a imprensa no país ajudou a criar certos estereótipos. Eu nunca acreditei que no meu partido pudesse ter alguém que pudesse fazer o usufruto ou ter benesses pessoais. Acho que houve equívocos de caixa 2, que sempre reconheci e que só irá mudar no país quando tivermos uma reforma política eleitoral.

PT-POA – Tua avaliação do ano de 2010 é positiva?
Adeli Sell – Tremendamente positiva. Houve um avanço não apenas eleitoral, mas também organizativo, com o surgimento de núcleos de base e uma militância mais proativa. Quero aproveitar para fazer um apelo a militância para que colabore financeiramente com o partido para que possamos construir as estruturas para as eleições de 2012. Nós abrimos no Diretório não apenas as comemorações dos 31 anos do PT, mas uma agenda 2011/12 pautada fundamentalmente na organização partidária.

PT-POA – Quais são as atividades planejadas para 2011?
Adeli Sell – Além de fazer neste próximo período a inauguração da biblioteca e do nosso centro de eventos, assim como fizemos recentemente com a exposição “Retratos de Campanha”, queremos fazer muitos debates políticos, sobre a cidade, a governança. Nós ainda temos muitos conflitos, como, por exemplo, sobre a fundação da saúde, por falta de um debate político mais aprofundado. Eu tenho muito respeito por quem pensa diferente do que eu, mas tenho a obrigação de colocar e expressar minhas opiniões como presidente do partido e expressar a necessidade de fazer esses debates de uma forma mais aprofundada.

PT-POA – Tu avaliarias os integrantes do Diretório como um grupo coeso, que trabalha pelos mesmos objetivos?
Adeli Sell – Nós temos hoje uma grande coesão, muito maior do que em outros momentos. Havia muito mais disputa interna, fissuras. Praticamente não tivemos divergências neste ano. Estamos construindo acordos, teses comuns, mas volto a ressaltar: ainda precisamos de maior debate, maior elaboração política e contribuição dos próprios militantes.

PT-POA – Quando tu te queixas da falta de debate, a quem especificamente tu te referes? Aos dirigentes, militantes, ou sociedade?
Adeli Sell – Falta um debate mais aprofundado entre os militantes sobre temas que nós temos que buscar um denominador comum, mas também falta um debate aberto para a sociedade. Nós temos a capacidade de fazer grandes seminários. Por isso, estamos pensando em criar a escola de formação política do PT, para formar internamente e propiciar discussões externas.

PT-POA – Paralelo a esse trabalho na direção partidária, tu tens teu mandato na Câmara. O que tu planejas para o ano de 2011?
Adeli Sell – Tenho como perspectiva aprofundar a minha intervenção com os temas universais da cidade. Falo da mobilidade urbana, da estética da cidade e da sustentabilidade ambiental e cultural. Quero também adentrar na economia solidária, voltando meu olhar para as pessoas excluídas socialmente, assim como na proteção aos animais.

PT-POA – Tu já publicou vários livros. O mais recente, “Porto Alegre, a modernidade suspensa”, lançado no ano passado, abordou a temática da cidade. Tens algo em vista para o ano que vem?
Adeli Sell – Meu projeto é escrever um livro sobre o PT. Será um livro de reflexões sobre a história cotidiana do partido. Quero contar como era ser um dirigente partidário no passado, quando o partido não tinha dinheiro. Só viajávamos de ônibus. Tempos difíceis que hoje muitos militantes desconhecem. Será um livro contra a presunção, contra o salto alto. Será um livro a favor da humildade e da generosidade dos militantes anônimos que construíram a história do Partido dos Trabalhadores.

PT-POA – Governo Tarso. O que tu esperas?
Adeli Sell – A expectativa é muito grande, por que Tarso é um grande elaborador político. Tem um grande conhecimento das coisas do Estado e de Estado. Portanto poderá fazer um grande mandato. Vou colaborar no que for possível como dirigente partidário do principal Diretório Municipal do PT no Estado. Quero estar junto com o governo na defesa dos seus principais projetos.

PT-POA – E quanto à formação desse governo de coalizão. Tu acreditas que será possível seguir o que foi prometido no programa de governo?
Adeli Sell – Só tem uma alternativa nos dias de hoje: governos mais amplos que os próprios partidos. Governos de frente, de coalizão, que tem uma aliança ampla. Temos que aprender com o Lula, que abriu os caminhos para um novo modo de governar.

PT-POA – Dilma na presidência. As pesquisas já estão mostrando que a expectativa dos brasileiros é de que ela faça um governo tão bom quanto o de Lula. Tu acreditas que isto será possível?
Adeli Sell – Eu estou dentro desta porcentagem. Dilma tem todas as condições, inclusive, de superar, pois irá governar um país em outras condições. Ela é uma grande gestora pública. Gostei muito da formação do ministério da Dilma.

Por Tatiana Feldens – Asscom PT-POA

Publicada originalmente no site da Bancada de Vereadores do PT de Porto Alegre
http://www.ptpoa.com.br

A saúde na era Dilma

Dioclécio Campos Júnior
Médico, Professor Titular de Pediatria da UnB, Secretário da Criança do DF.
Ex-Presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria


O ano de 2011 inaugura radioso mar co histórico para o Brasil. A sociedade evoluiu muito. Superou preconceitos. Reviu condicionamentos comportamentais herdados da cultura colonial. As mentes tornaram-se permeáveis a novas ideias. Romperam a rigidez dos fanatismos. Avançaram em visões progressistas nunca dantes concebidas.

Pela primeira vez o exercício da Presidência da República é confiado a uma mulher. O fato não tem só implicações simbólicas. Traz para o comando da nação a riqueza potencial das originalidades do gênero feminino. Mostra o quanto o país soube alargar a amplitude de sua consciência política ao longo do tempo. Um misto de respeito e sensibilidade humana a dar substância ao sincretismo cultural que reúne enormes diversidades em meio às quais se afirma o povo brasileiro, fenômeno tão bem descrito por Darcy Ribeiro.

O governo da presidente Dilma promete configurar singularidades sobejas. Projeta perspectivas favoráveis e animadoras, mormente no domínio da saúde pública. De fato, em seu pronunciamento de posse, declarou o Sistema Único de Saúde como prioridade. Foi além, ao dizer que quer “ser a presidente que consolidou o SUS, tornando-o um dos maiores e melhores sistemas de saúde pública do mundo”. Ao assim se expressar, revela honestidade pouco comum entre os gestores da saúde pública brasileira.

De fato, reconhece, com autenticidade, que o SUS não está consolidado. Até porque consolidar é tornar sólido, seguro, estável, segundo o Aurélio. Essa divisa de qualidade permanece distante. Nada dela o sistema público de saúde alcançou. Ao contrário, mergulha no caos, a despeito das suas inúmeras virtudes teóricas repetidamente cantadas em prosa e verso pela maioria dos militantes sanitaristas.

Dilma preferiu afinar-se com a opinião do usuário. Ninguém melhor para avaliar como anda a saúde no país. É quem vive, de fato, a qualidade do atendimento prestado à população. Consolidar o SUS supõe, antes de tudo, discuti-lo à exaustão, sem monopólios da verdade nem autoenganos. O que importa é criticá-lo, de forma construtiva, no intuito de rever conceitos já superados, objetivos destoantes da realidade, diretrizes que negam o direito do cidadão à melhor assistência à saúde de seu tempo. Tal iniciativa nunca ocorreu com o grau de isenção necessário. O tempo passa, as práticas mudam, a ciência aponta rotas distintas. A evolução não pode ser ignorada, sob pena de o SUS continuar patinando na pegajosa substância do atraso.

O fundamentalismo na saúde pública é distúrbio de comportamento inaceitável. Acomete parte expressiva dos gestores que lideram o espetáculo. Sonham até mesmo com o tombamento do SUS a fim de que se converta em patrimônio intocável. Nada mais equivocado. Um sistema de saúde não pode ser considerado obra acabada. Deve manter os princípios que o regem, mas incorporar as conquistas que contribuem para aprimorá-lo continuamente. É o horizonte que se vislumbra tão bem nas palavras da nossa presidente, ao acenar para a mudança do modelo de gestão como requisito inadiável da consolidação que anuncia.

As resistências corporativas, frequentemente maniqueístas, levantadas contra essa medida de forte alcance administrativo precisam ser vencidas. O SUS não pode continuar refém de caprichos ideologizados que o impedem de estar na vanguarda dos novos tempos para “ter como meta a solução real do problema que atinge a pessoa que o procura, com o uso de todos os instrumentos de diagnóstico e tratamento disponíveis, tornando os medicamentos acessíveis a todos, além de fortalecer as políticas de prevenção e promoção da saúde”, conforme enfatizou Dilma Roussef no discurso de chegada. Do contrário, ela não realizará o compromisso de “erradicar a pobreza que envergonha nosso país e impede nossa afirmação plena como povo desenvolvido”.

Como disse o sueco Gunnar Myrdal, prêmio Nobel de economia, “os povos são pobres e doentes porque produzem pouco, e produzem pouco porque são pobres e doentes para produzirem mais”. Esse círculo vicioso tem de ser quebrado por meio do investimento na saúde dos cidadãos. O SUS nasceu para o relevante papel de instrumento transformador da realidade. Não pode ficar parado no tempo. O próprio sistema de saúde pública da Inglaterra, famoso pela experiência acumulada, referência para o mundo, encontra-se em fase de profunda reformulação para não perder o rumo. Como o comando do nosso sistema está agora nas mãos de uma mulher, a gestação de um SUS consolidado há de ser a grande marca do governo Dilma.